P. ELIO MISSIONARIO EM BRASIL
São José do Rio Preto - SP (11 de 1968- 02 de '72)
Seminário com jovens do colegial e serviço pastoral - O nosso seminário estava na periferia da cidade, ao lado da Casa de Acolhida de meninos de 8 a 18 anos, com escola interna. Na Casa da Acolhida, uns 300 meninos gratuitamente estudavam, partilhavam serviços conforme a idade, aprendiam um trabalho e aos 18 anos eles saiam com diploma para trabalhar na cidade, com emprego garantido.
Os seminaristas viviam lado a lado com os meninos da Casa de Acolhida, iam no fim de semana nas Comunidades, partilhando Culto dominical e catequese e lazer.
Outro serviço gratificante era acompanhar no fim de semana os encontros d três dias dos Cursillos de Cristandade e de Treinamento de Liderança Cristã dos jovens. Desta maneira muitos encontraram o sentido da vida e se integravam com entusiasmo nas Comunidades Cristas que estavam começando sua presença nas Paróquias. Geralmente durante a semana nós também participávamos das reuniões dos grupos que mantinham o espírito dos encontros.
Os nossos seminaristas amadureciam partilhando estas experiências pastorais, e vislumbrando um pouco o serviço missionário em outros ambientes culturais.
São Paulo - SP (03 de 1972 -1973)
Nossa paróquia Santo Antônio do Caxingui nasceu no 1955 no meio da roça. Após uns vinte anos a Paróquia estava envolvida pela cidade, com bairros pobres e bairros de classe alta, e vivia plenamente engajada na caminhada da Igreja latino-americana, acompanhando o nosso arcebispo Dom Evaristo Arns.
Após quatro meses improvisamente fui nomeado vigário paroquial, na espera de um novo pároco.
Este tempo foi marcado pelo choque frontal da Igreja de São Paulo com os militares que tinham assumido o poder no 1964. Um dia Dom Evaristo convocou a todos os padres. Éramos uns 500, com a ausência de 100 padres. Foi apresentado o fato que presos políticos eram mortos a sangue frio. Pela censura militar tudo era controlado ou fechado, como a rádio da Igreja. Houve debate sobre o que poderia ser feito. No fim foi decidido e aprovado que no domingo seguinte em nossas igrejas haveria culto, com texto marcado, apresentando os fatos que estavam acontecendo, unidos à Palavra de Deus, denunciando a matança de presos políticos. No domingo somente 200 padres apresentaram o documento da Igreja de São Paulo. Os militares quase chegaram ao ponto de prender Dom Evaristo Arns e mais tarde tentaram matá-lo em acidentes disfarçados. A tensão entre Igreja e militares foi grande até o ponto que em São Paulo nenhum militar foi às celebrações dos 150 anos da Independência na Igreja. A tensão era bem presente também no meio do povo onde todo mundo podia ser um delator.
A denúncia da igreja teve consequências. Na prática diminuíram as desaparições das pessoas e as torturas. Todos reconhecem que por causa da coragem de arcebispo Dom Evaristo Arns no Brasil não houve o massacre de pessoas que houve na Argentina.
Em Caxingui continuamos o caminho, unidos à Igreja de São Paulo, que era também o caminho de São Daniel Comboni. Continuando a experiência de São José do Rio Preto, além da contínua formação de líderes da Comunidades, iniciamos os Encontros de Casais com Cristo, com centenas de participantes. O movimento nas Comunidades foi além do esperado, dando força aos casais na família e na Comunidade.
Um ano depois veio o novo pároco, acabando assim o primeiro período de missão
Segunda presença em Caxingui, São Paulo (1980 - 1983)
No 1980 deram-me a responsabilidade desta paróquia de Santo Antônio, continuando o caminho a serviço desta igreja, com forte entrosamento com os líderes que já conhecia pela experiência anterior.
http://www.santoantoniodocaxingui.com.br/?post_type=albumdefotos foto Santo Antonio Caxingui
São Gabriel da Palha -ES (07 de 1974 a 08 de 1979)
Esta experiência pastoral como primeiro responsável da Igreja de São Gabriel da Palha marcou a minha caminhada de cristão e de pastor.Entrei nesta correnteza de vida eclesial onde colhemos o que outros semearam e plantamos para outros colherem.
O primeiro pároco foi padre Simão Civallero, que, chegando ao Brasil em 1955, não quis nem descer do navio, e regressar logo para a sua terra, a Itália. Após ter tido garantia de voltar com a próxima nave aceitou visitar a terra de missão, onde ficou para sempre, tomado de compaixão por aquele povo sem pastor. Padre Simão construiu fisicamente e materialmente aquela Igreja em dez anos de serviço missionário, ficando várias vezes perdido na noite no meio das matas. Ainda em vida recebeu a homenagem do povo que dedicou a ele uma rua ao lado da Igreja.
Após sua saída vivenciamos o clima do Concilio Vaticano Segundo: formação de Comunidades Eclesiais de Base, plena participação dos líderes nos serviços de culto, de coordenação das Comunidades, sustento da igreja através do dízimo e compromisso com o sofrimento do povo por meio da pastoral social.
O ambiente era tenso também pela ditadura militar que controlava qualquer coisa que pudesse parecer suspeita. Tudo o que era social era considerado comunista. Muitos padres por isso eram fichados como suspeitos e perigosos. No primeiro ano na paróquia fui chamado pelo sargento que representava os militares. Ele, como todos os militares no Brasil, tinha recebido do seu comando a ordem de pesquisar o padre onde trabalhava. As perguntas eram sobre a fala do padre: Deus, Igreja, Comunidade. Se o padre falasse em comunidade podia ser suspeito.
Era impressionante a participação das pessoas na vida das comunidades, nos muitos dias de formação das lideranças para poder ajudar nas Comunidades nas várias tarefas dentro e fora da Comunidade para que houvesse vida em fraternidade. Havia conselhos comunitários em todas as Comunidades, na Paróquia e na Diocese. Nos debates e nas propostas todos participavam livremente. Mais de uma vez na assembleia da Diocese intervinha o nosso querido bispo Dom Aldo e logo havia a pergunta:" O senhor Dom Aldo fala como pessoa ou como bispo? Neste último caso nós paramos o debate porque o senhor é o nosso bispo e nós acolhemos sua decisão pastoral" .
Nos cinco anos de paróquia somente uma vez não acolhi uma proposta do Conselho Pastoral quando os líderes queriam fazer a lei que uma criança podia ser batizada somente quando pai e mãe participassem seis meses no culto e nos grupos. Parecia uma norma muito pesada sobre as pessoas. Apelei para a decisão do bispo. Então eles, após uma reunião entre si, disseram-me que isso seria o ideal, mas que na prática concordavam com a outra proposta mais acolhedora.
A participação era tão forte que com as ofertas do dízimo podiam também ajudar na construção e renovação das igrejas e centros comunitários.
(Povo de origem italiana)
http://www.paroquiaarcanjosaogabriel.com/ Sao Gabriel da Palha
Campo Erê (Santa Catarina) 1983- 1990)
Era uma paróquia situada no interior, com muitas Comunidades, a quase mil metros de altura, a única que não tinha asfalto no estado de Santa Catarina, com estradas escorregadias, de terra vermelha. A maioria das igrejas eram centros comunitários de madeira para todos os serviços civis e religiosos.
Em plena comunhão com a Igreja diocesana, continuamos a caminhada das Comunidades,. Havia vários ministros extraordinários do Batismo e do Matrimonio, espalhados na paróquia toda.
Em nossa Paróquia havia a fazenda Burro Branco que em 15 de Novembro de 1981 foi expropriada pelo então presidente Figueiredo, dando trabalho para umas 300 famílias. Em outubro do 1984 houve a primeira ocupação de terra da parte do MST, perto da nossa Paróquia. A segunda ocupação de terra aconteceu dois anos depois, liderada praticamente pelos membros de nossas comunidades, conseguindo terra par todas as famílias envolvidas. Eles atuavam livremente sem nenhum contato com os padres, confiando nos movimentos populares e em seus sindicatos para melhorar sua vida.
Em 1988 houve eleições e as Comunidades se uniram a movimentos populares e à Justiça eleitoral para evitar a corrupção e a compra generalizada de votos, com ótimos resultados. Pela denúncia de populares houve até prisão de pessoas. Esta experiência foi apresentada noutros lugares e contribuiu mais tarde para a campanha da 'Ficha Limpa' no Brasil.
http://www.campoere.sc.gov.br/
Nova Venécia -ES (1991-'96 ) (2004-'10)
Por dois mandatos assumi a coordenação da Paróquia de Nova Venécia, no Estado do espírito Santo. Pelo nome do Município, podemos ver que a grande maioria do povo era de origem italiana, filhos de imigrantes que buscaram mais vida no Brasil cem anos antes. Ligados às antigas tradições mesmo sem a presença de sacerdotes construíram igrejas onde todo domingo rezavam terço e ensinavam o catecismo às crianças. Todo ano passava um padre que vinha à cavalo de 50 Quilômetros de distância, confessava batizava, celebrava casamentos. Os Padres combonianos chegaram nos anos '50 continuando o serviço de animação cristã daquele povo, que após o Vaticano Segundo, em comunhão com o seu Bispo dom Aldo Gerna tinha assumido plenamente o espírito do Concílio Vaticano Segundo.
Em 1991 o Bispo Dom Aldo confiou-me a coordenação da paróquia, com as suas 93 Comunidades. A participação das Comunidades eram realmente fantástica na formação de líderes e na animação das Comunidades. Praticamente todas as famílias tinham um ou mais membros envolvidos no serviço à Comunidade. Num encontro entre padres combonianos trocamos experiências sobre nossa vida missionária. Todos reconhecemos que viemos em missão para anunciar o Evangelho mas nós missionários e padres fomos evangelizados, pela vivência da fé do nosso povo.
Nas nossas andanças ficamos na estrada várias vezes, atolados no barro, ou no buracos cheios de água. Uma dia estava de carro, com motor apagado, bem dentro da água que tinha inundado totalmente a estrada. Ainda estava confuso pela situação quando vi um rosto acima da cerca e uma voz: "É o padre!". Logo apareceram uns dez homens, cercaram o carro dentro da água alta um meio metro, disseram-me de não sair, empurraram o carro até sair do buraco. Em todo lugar onde passei sempre encontrei pessoas extraordinárias como estas.
Na celebração dos 40 anos da Paróquia houve memória da Caminhada da paróquia, com desfile dos vários movimentos preconciliares, com cânticos, bandeiras, símbolos daquele tempo e forte comoção dos presentes. Perguntei a seu Higino de Stefani a diferença entre aqueles tempos e os nossos. "Padre, - disse - talvez a participação fosse maior, mas era uma participação quase individual, vivendo o lema comum "Salva a tua alma". Hoje nós nos sentimos Comunidade, família, corresponsáveis e participantes.
Outro líder um dia disse: "Padre, obrigado por ajudar tanto a nossa Igreja". Realmente foi uma grande alegria sentir que eles se sentiam parte viva da Igreja, onde todos, padres e leigos. cooperamos com o dom que recebemos.
http://diocesedesaomateus.org.br/clero/categoria/presbitero-comboniano/
Nova Contagem - MG (2000 -2004)
Os moradores de Nova Contagem eram famílias que moravam nos lugares onde o governo estadual queria grandes estradas e bairros mais nobres. Assim o governo construiu pequenas casas e levou para lá estas famílias, num lugar isolado, ao lado da Cadeia de segurança máxima Nelson Hungria. Vários padres diocesanos, enviados pelo Arcebispo de Belo Horizonte deixaram a paróquia. Nós padres combonianos estávamos há vinte anos numa paróquia no bairro Petrolândia, Oferecemos ao Arcebispo cardeal Dom Serafim esta paróquia, já bem estruturada, e pedimos em troca a paróquia de Nova Contagem. Naquela ocasião Dom Serafim disse: "Agora entendo melhor que quer dizer ser 'missionário'".
No meu primeiro mês na paróquia houve quarenta mortes violentas numa população de 50.000 habitantes, na quase totalidade causadas pela luta das gangues,querendo o controle do comércio da droga. A população era abandonada pelo governo estadual. Alguns dos nossos líderes tiveram que fugir imediatamente porque um membro das gangues queria a moto do rapaz. Neste ambiente violento e sofrido muitas pessoas participavam das Comunidades com fidelidade extraordinária, encontrando na fé força para viver. Naqueles quatro anos da minha presença surgiram várias Comunidades. Duas delas eram felizes pelo seu Salão Comunitário feito com paredes de engradamento de geladeiras e eucalipto, e com telhado de Eternit recuperado numa casa em reforma. Líderes de Comunidades levantavam de manhã às quatro horas, jantavam após as reuniões da Comunidade, descansando às 23,00 horas. Quando às vezes eu agradecia tamanho compromisso respondiam: "Padre, vocês estão conosco" Realmente nos padres somos evangelizados por este povo maravilhoso que nos acolheu.
São Mateus ES (1996 - 2000)
Estive em São Mateus por quatro anos na Paróquia da Catedral, onde se refletiam as diferenças desta população, formada pelos descendentes dos primeiros colonizadores portugueses e do seus escravos de origem africana, e ultimamente misturada com imigrantes europeus. De fato a maior parte da população era afrodescendente, que aparecia principalmente na grande festa de São Benedito, o santo negro, com a procissão de mais de dez mil pessoas que inundava a cidade de São Mateus. Visando os nossos fiéis de origem africana procuramos apoiar toda iniciativa em favor deste povo com a pastoral afro-americana, favorecendo também as sua seculares manifestações religiosas, às vezes consideradas pagãs pelos fiéis de origem europeias.
O serviço nas Comunidades não esconde incompreensões e problemas. Em meu lugar padre Giovanni foi a 40 Quilômetros de São Mateus para visita à Comunidade e uns 15 batizados Na Igreja bem cheia, após a segunda leitura, um homem do povoado chega perto padre, pede para batizar sua filha. O padre muito sereno conforme seu jeito escuta e diz que no fim da missa vai ver o caso dele. O homem se vira, saca o revolver e dispara a queima roupa prejudicando fígado, baço e pulmão. Graças a Deus ele sobrevive e continua servindo na paróquia. Os presos da cadeia da cidade mandam um recado ao chefe da polícia: se aquele homem entrar na cadeia não iria viver porque atirou no padre que toda semana ia visitá-los.
Ameaças a nós padres não eram raras, especialmente na questão da terra, visto que o dinheiro fala mais alto da fé e da justiça. O que ajudou a todos nós foi o apoio do povo, e a escuta dos conselhos dos nossos líderes caso por caso. Em dois casos concretos foi isso que me ajudou a evitar perigos mortais e continuar o caminho de serviço ao povo.
No último dia do ano houve a entrega da Paróquia ao Bispo Dom Aldo, concluindo assim nossa presença missionária de dezenas de anos naquela lugar, Nós missionários combonianos deixamos a paróquia ao sacerdotes do lugar que agora tinham condições de levar adiante aquelas Comunidades.
Quando nos missionários chegamos naquela futura Diocese de São Mateus havia duas paróquias, praticamente sem escolas e sem igrejas.Após uns 50 anos entregamos esta e outras paróquias organizadas com seus padres e seus leigos nas mais de mil Comunidades na cidade e no interior, com escolas e igrejas. Nós colaboramos com aquele povo firme e decidido, Agora eles tem condições de continuar.No meio deles, um dos paroquianos de Nova Venécia, Ailton Menegussi, é consagrado bispo, servindo no nordeste Brasileiro.
Missão cumprida, graças a Deus. Nós combonianos continuamos noutros lugares para que venha o reino de Deus.
Carapina - Vitória - ES (2010 - ...)
Desde o ano 2010, estou na periferia de Vitória, na paróquia São José Operário com outros dois padres. A paróquia está cortada por grandes estradas de quatro a oito pistas com grande movimento de carros, obrigando-nos a maior presença nos bairros, atingindo o número de 17 Comunidades.
Nossas Comunidades na maioria estão em bairros bem pobres com problemas de violência e mortes pela droga. Organizamos casas de apoio aos menores em situação de risco. Vários menores agora adultos estão colaborando em favor dos outros menores.
Toda Comunidade torna-se centro de culto, de formação religiosa e humana, e serviço ao povo, especialmente crianças e doentes e idosos. Ultimamente d maneira discreta procuramos dar apoio às famílias que ficaram sem emprego na recessão política, econômica e social que o Brasil está atravessando.
Nossa preocupação maior e formar e acompanhar as lideranças das Comunidades, sendo conscientes que na realidade são eles que no mio do povo estão vivendo a fé e animando seus irmãos.
Apesar do limitado número de padres, as Comunidades estão realmente alimentando seus membros, ao redor dos pastores, vivendo mais o sentido de comunhão com a igreja do que em muitas igrejas tradicionais. onde infelizmente existe um elemento individualista pouco comunitário. Numa ocasião um líder disse-me: " Padre, graças a Deus que temos estas Comunidades sofridas.Assim jamais podemos esquecer dos pobres."